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Dr. André Gonçalves Fernandes

Coluna "Lanterna na Proa"

Filhos apátridas
Pai ausente: filho sem pátria

André Gonçalves Fernandes

Não tenho a menor dúvida de que, boa parte dos problemas que os filhos enfrentam em casa, na escola ou na sociedade são, em grande parte, reflexo da síndrome que toma conta dos processos de direito de família (e mesmo da infância e juventude): a síndrome do pai ausente.

Analisando os estudos psicossociais que são juntados nos autos dos processos de família, a síndrome do pai ausente poderia ser definida a partir de duas posições bem diversas. Pela perspectiva do filho varão, que sofre o efeito dessa falta, e pela do pai que a causa, ainda que também sofra as consequências dessa privação.

Pelo primeiro ângulo, a síndrome compreende um rol de privações afetivas, cognitivas, físicas e espirituais que sobrevivem ao filho como consequência do vazio que existe nas relações entre o pai e o filho varão. Mas não é o foco aqui buscado.

Pelo segundo, analisando alguns exemplos vistos nos processos ou nas audiências de instrução em matéria de família, a ausência do pai significa sua falta de empenho na educação do filho varão, qualquer que seja o tempo presencial no lar familiar, por “amor” demasiado ao ócio ou mesmo ao trabalho profissional.

Pai ausente também corresponde àquela figura paterna que, embora divida o mesmo teto do filho varão, oscila num comportamento apropriado à sua condição. Nesse caso, há muitos exemplos na sociedade atual. Pai que se veste como o filho varão, pai que fala como o filho varão e pai que participa ativamente das baladas do filho varão. Em suma, há vários tipos, mas todos têm um lugar-comum: a caricatura de pai, formada pelo vazio na relação paterno-filial.

Pai ausente é também o pai que virou uma espécie de espectro caseiro, dado o escasso tempo que passa em casa ou pelo abandono de seus deveres familiares, quando não se vale de evasivas ou, passivamente, assiste a esposa fazendo o que lhe devia.

Pai ausente também é aquele pai não realiza os valores tipicamente masculinos ou mesmo os rechaça, quando não acomoda sua conduta conforme os valores femininos requeridos pela esposa. Em casos mais extremos, transforma-se numa figura feminilizada, tal é o grau de adoção de hábitos típicos das mulheres.

Pai ausente também é o pai que cria uma redoma incomunicável quando está presente em casa, é incapaz de mostrar aos filhos manifestações naturais de afeto, encouraça-se nas estritas exigências de rendimento escolar e competitividade profissional ou, em casos extremos, sobrepõe-se pelo estéril despotismo viril.

Também é pai ausente o pai que desnaturaliza seu comportamento propositadamente e por completo, a fim de ser quisto pelo filho varão. Nesse caso, reprime sua personalidade e frustra a possibilidade de identidade do filho, pois impede o fato de poder ser imitado no lar.

Esses e outros exemplos tirados de minha experiência profissional, como magistrado na área de direito de família, demonstram que tais pais não têm nada para oferecer ao filho varão e, em todo caso, oferecem uma masculinidade desvertebrada, multiplicando e estendendo uma série de modelos úteis apenas para o desamparo filial, já que nenhum deles consegue transmitir uma imagem positiva de virilidade, pela qual espera e precisa o filho varão.

O pai que falta em casa gera filho falto de pai. Diante da figura ausente do pai, o filho vai buscar um substituto. Surge a imagem indireta da paternidade. O filho apátrida vai buscar o modelo paterno numa figura masculina frequente em sua vida: o tio, o professor, o avô e mesmo a mãe que, por melhores que sejam, não transmitem uma identidade paterna consolidada.

Inconscientemente, tais figuras substitutas são heróis varonis provisórios, pois apenas lhe oferecem um apoio transitório muitas vezes ambíguo e sempre circunstancial, já que serviram de somente de bálsamo para aliviar a dolorosa ferida gerada pela revelia paterna, para a qual a melhor solução seria a cura. Uma cura que passa pela figura de um pai presente: um pai que devolva o filho varão à sua verdadeira pátria filial. Com respeito à divergência, é o que penso.

Veja os artigos da série Filhos apátridas:
A figura ausente do pai
Pai ausente: filho sem pátria
Pai ausente: desintegração familiar
Pai ausente: despedida imotivada
Pai ausente: mudança de papéis
Pai ausente: masculinidade em declínio



Ver outros artigos da coluna

 

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ANDRE GONÇALVES FERNANDES, Post-Ph.D. Juiz de Direito e Professor-Pesquisador. Graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP). Mestre, Doutor e Pós-Doutorando em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP. Juiz de direito, titular de entrância final em matéria cível e familiar, com ingresso na carreira aos 23 anos de idade. Pesquisador do grupo PAIDEIA-UNICAMP (linha: ética, política e educação). Professor-coordenador de metodologia jurídica do CEU Escola de Direito. Coordenador Acadêmico do Instituto de Formação e Educação (IFE). Juiz instrutor/formador da Escola Paulista da Magistratura (EPM). Colunista do Correio Popular de Campinas. Consultor da Comissão Especial de Ensino Jurídico da OAB. Coordenador Estadual (São Paulo - Interior) da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Membro do Comitê Científico do CCFT Working Group, da União dos Juristas Católicos de São Paulo (UJUCASP), da Comissão de Bioética da Arquidiocese de Campinas e da Academia Iberoamericana de Derecho de la Familia y de las Personas. Detentor de prêmios em concursos de monografias jurídicas e de crônicas literárias. Conferencista e autor de livros publicados no Brasil e no Exterior e de artigos científicos em revistas especializadas. Membro Honorário da Academia de Letras da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Titular da cadeira nº30 da Academia Campinense de Letras.

E-mail: agfernandes@tjsp.jus.br

Publicado no Portal da Família em 11/11/2012

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