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CALENDÁRIOS

Correrias, apertos, problemas - e alegria, e carinho, e amor.

Cristina Moraes Vojvodic


— Mas, se formos fazer um para cada um, não vai dar tempo. É muita coisa, mãe.

O comentário da filha mais velha, embora não fosse desprovido de objetividade, carregava, no tom, uma boa dose de preguiça.

— Não precisamos fazer para todos. Podemos dar só para as senhoras e meninas.

Era a vez do protesto masculino:
— E os homens, não ganham nada? Fica feio, mãe.
— Podemos fazer trufas para os homens.

A filha do meio também tinha algo a dizer:
— Trufas, nós já fizemos no ano passado e, além disso, depois dos ovos de Páscoa, não quero nem pensar em passar horas com aquele cheiro de chocolate a dar até arrepios de enjôo.

Era engraçado ver como argumentavam os três filhos, criticando uma ou outra proposta, mas, definitivamente, tomando como certa e própria a idéia de que os presentes de Natal seriam feitos por eles. Já fazia algum tempo que a mãe inventara de fazer presentes muito pessoais que significavam, além do óbvio, uma boa maneira de ocupar os filhos nesse período das férias em que não se viaja e não se tem programa melhor que dormir, comer, gastar ou, o cúmulo da ociosidade, comer pipoca em frente da televisão.

— Então podemos fazer aqueles biscoitos de nozes para os homens.
— Está bom. São bem gostosos e não são muito difíceis. A gente faz a massa lá pelo dia 21, deixa na geladeira uma noite e assa tudo no dia 22.

— Melhor adiantar isso um pouco. No dia 22, vou estar assando os bolos para o almoço do dia 25.
— Mas os biscoitos não vão ficar velhos?
— Guardados em latas bem fechadas, eles se conservam por muitos dias. Não tem perigo.
— Mas e o calendário, não é difícil demais?

O dito calendário de madeira aparecera em uma revista como oferta de uma loja de presentes. A revista passara de mão em mão. Todos tinham achado lindo.

— Mãe! Como vamos cortar a madeira?
— Com a serra tico-tico do vovô. Na realidade, corte difícil mesmo vai ser o desta parte redonda. O resto é de linhas retas, acho que dá até para trazer cortado da loja de materiais.
— Mas se já vem cortado, o que vamos fazer?
— Não se preocupe. Vai ter muita coisa para vocês fazerem. Lixar, pintar, colar, montar... Precisamos é começar logo para dar tempo.

Tudo combinado, começou a fase de execução. A escolha do material obrigou a três incursões em urna loja do tipo faça-você-mesmo. Foram também a duas lojas de ferragens e passaram por três papelarias. A madeira já viria na largura certa, mas o comprimento teria que ser acertado em casa, por causa da tal curva. As tintas, finalmente as apropriadas, tinham cores boas e as arruelas, que viriam a ser os marcadores, pareciam ser do tamanho certo. Algumas idéias geniais e outras tantas adaptações faziam antever um bom resultado.

Mãe, é incrível! Com o preço de dois calendários prontos - a filha do meio era a contabilista da família - compramos o material para todos os dezesseis que vamos fazer. Que economia!

A mãe não pôde deixar de rir.
A economia pode ser interessante, mas acho que não é por isso que vamos fazer tudo. Se fosse assim, mais econômico mesmo seria não comprar e também não fazer.

A idéia de não dar presentes de Natal pareceu desconcertar as crianças. A mãe tentou deixar mais claro o que queria dizer.

Por que vocês querem dar os presentes?
Porque é Natal, ora!
Mas por que damos presentes no Natal?

Um breve silêncio. A mais velha, do alto dos seus treze anos, foi a primeira a conseguir formular alguma idéia:

Para comemorar o nascimento de Jesus, para repartir essa alegria com os outros.
Está certo. E se é assim, qual é o melhor tipo de presente?

Os dois mais novos seguiam o diálogo sem perder uma palavra.
O melhor que a gente possa dar.
O mais caro, filha?

Não, não e isso. O melhor acho que é o presente que mostra a nossa alegria, o nosso carinho.
É isso, mãe - era a vez de a segunda filha dizer algo -, se o presente tem que mostrar o nosso carinho, aquele que a gente faz mostra isso melhor do que o que a gente compra pronto, porque a gente fica ali fazendo, caprichando, pensando em quem vai ganhar o presente.

Ela não sabia dizer que dar de si era o verdadeiro presente, mas a idéia parecia já se ter formado. A mãe deu-se por satisfeita.

Agora era trabalhar. Bem, a partir de segunda-feira, porque os primos tinham convidado a todos para o fim de semana no sítio e, afinal, o tempo estava ótimo.
Na terça, a mãe já esbravejava:

Vocês assumiram o compromisso e compramos todo o material. É bom começarem logo; se não, não dá tempo.
Calma, mãe. Nós vamos fazer tudo, você vai ver. Vai dar tempo e vai sair tudo super certo.

Dois dias depois, ninguém mais tinha certeza. Com a serra elétrica do avô - também ele ajudava - não se conseguia dar ao corte a precisão esperada. Era preciso lixar muito mais do que tinham imaginado. Mas, era tocar o barco e pegar o touro à unha - ou à lixa, se necessário.

Dezesseis vezes trinta e um... são 396 toquinhos de madeira para fazer os "dias".
Fugiu da escola, é? São 496, e não pare de lixar.

As "gentilezas" entre irmãos proliferavam.

Você deixou tudo mal lixado! Está horrível,
E você também pintou as casinhas como seu nariz. Está tudo borrado.
Mãe!! Elas não deixam eu ajudar! Elas dizem que não sei fazer nada.

Era sempre preciso intervir para apaziguar os ânimos.

Se é para brigar, o trabalho não serve para nada. Meninas, descubram uma tarefa que seu irmão consiga fazer bem, ou o ensinem a fazer melhor as que ele já está fazendo. E você, trate de aceitar que elas o ensinem.

Quando a serra elétrica quebrou, muito antes dos 496 pinos ficarem prontos, houve uma certa comoção familiar. Não dava tempo de esperar o conserto da máquina e também não dava para comprar outra, pelo menos naquele momento. Durante o jantar, discutiam as alternativas, desanimados:

A serra do tio Toninho, não adianta pedir. Na semana passada, ele veio pedir emprestada a do vovô, porque a dele tinha quebrado.
Quem sabe eu consiga cortar com o serrote - ofereceu-se a mãe.
Você não agüenta. É muito pesado - o pai era sempre objetivo.
Então não vai dar para terminar e foi tudo inútil... Silêncio. Continuaram a comer, sem muita vontade.

Eu serro.

O oferecimento do pai causou surpresa, pois, desde o começo, ele havia deixado claro que não participaria do "projeto calendário" por achar que já tinha trabalho e preocupações demais para assumir outros encargos. Mais tarde, a sós, confessou à mulher que não resistira à frustração estampada nos rostos dos filhos. Afinal, eles só queriam ter a alegria de dar alegria.

O trabalho prosseguiu.

Mãe, a Debbie telefonou e convidou para ir ao cinema com ela. Podemos ir?
Mas, e essa tinta que vocês já prepararam? Vai secar tudo. E, depois, acho que não dá mais para perder tempo. Faltam só três dias para a véspera do Natal. Vocês ainda não moeram as nozes para os biscoitos. Vocês sabiam que eu não ia dar conta de tudo sozinha.

A Debbie disse que adorou as nossas idéias e que vem para ajudar depois do cinema. A tinta a gente cobre com um plástico e ela não seca.

Apesar de desconfiar da eficiência do mutirão, a mãe acabou concordando. Para seu espanto, à noite, as quatro crianças trabalharam com afinco e ultrapassaram a meta estabelecida para aquele dia. Tudo caminhava.

As arruelas não se encaixam nos pinos!
Mas nós medimos e experimentamos!
É, mas o verniz aumentou um pouquinho a grossura dos pinos e agora não dá.

Encontrar novas arruelas, do tamanho certo e que fossem de um material que aceitasse a tinta já comprada era uma nova tarefa para o avô; a mãe já estava irremediavelmente acampada na cozinha, pilotando o almoço que serviriam aos tios, primos e avós no dia de Natal. Será que os calendários ficariam prontos afinal?

Ficaram.

No dia 24, enquanto os embrulhavam com celofane e fita, todos relembravam as peripécias que haviam ocorrido naqueles últimos quinze dias. Riam todos.

Os pacotes, arrumados no chão ao pé do presépio, aguardavam o momento de serem entregues.
— Será que vão gostar, mamãe?
— Eu gostaria.
— Tem um para você tamb...
— Fique quieto, língua de trapo. Era surpresa...
— Não importa. Vou gostar do mesmo jeito. Não precisam brigar. Agora, vão-se arrumar para a missa de vigília que não quero sair em cima da hora.
— Calma, mãe. Vai dar tempo...




Do livro "Retratos de Família", de Cristina Moraes Vojvodic, Editora Quadrante

 


 

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