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Eduardo Gama

Coluna "Poemas e Canções"

As virtudes: a moderação (II)

Eduardo Gama

As propagandas de cerveja gostam ou são obrigadas por lei a ressaltar no fim de um comercial: “beba com moderação”. Moderar-se, aos olhos de hoje me dia, parece ser uma atitude limitadora, contrária à nossa liberdade: Por que deve ter moderação no que gosto, no que me causa prazer?, muitos se perguntam. Outros, com mais experiência, vêem a moderação como, no mínimo, um mal necessário, afinal, beber e comer em excesso, por exemplo, podem ser vexatórios. Nesse segundo caso, ela ainda não é vista como um bem para o ser humano, como virtude, mas sim como um mal menor.

Dissemos que a moderação é uma virtude. No artigo anterior (Eu sou uma boa pessoa?), notamos o que é virtude e a sua importância. Agora, gostaríamos de tratar dessa qualidade com atenção e, para tal, recorreremos novamente ao filósofo grego Aristóteles. Como a define? “A moderação é o meio termo no tocante aos prazeres” (Ética a Nicômacos, 1117 b), quem não possui essa moderação é chamada concupiscente. Em seguida, afirma que aos prazeres do corpo, mas não a todos eles, pois ao filósofo parece que a audição, a visão e o olfato não fariam parte da virtude, apenas os sentidos do tato e do paladar. Isso acontece porque esses três sentidos não causam prazer por si mesmo.

Para confirmar tal pensamento, cita o exemplo de alguns animais que sentem o cheiro da sua caça, mas não se comprazem com ele, mas sim com a oportunidade de devorá-la. Aristóteles também elimina o paladar, pois diz que este sentido é responsável por distinguir sabores e as pessoas concupiscentes não sentem prazer em distingui-los, mas no tato: “É por isso que um certo glutão fazia súplicas para que sua garganta se tornasse mais longa que o pescoço da garça, querendo dizer que era no contato que sentia prazer” (1118 a).

Portanto, a falta de moderação está ligada ao excesso na busca por prazer através do tato, que sentimos quando ingerimos uma bebida, alimentamo-nos ou em relação ao sexo. Note-se que o filósofo define a moderação como meio termo que, no seu pensamento ético, não significa “um pouco”, como as propagandas de cerveja parecem dizer: “Por ‘meio termo’ quer significar aquilo que é eqüidistante em relação a cada um dos extremos” (1106 a). Por esse motivo a virtude aristotélica sempre foi identifica com o cume de uma montanha, não s identificando nem com a falta, nem com o excesso, mas com o ápice do agir bem. Logo, a moderação deve ser o ápice do agir bem em relação ao nosso desejo natural de nos alimentarmos e de bebermos. 

A pessoa na qual falta a moderação ou concupiscente o é porque a agrada coisas que não deveriam agradar e com as quais é razoável gostar “se comprazem mais do que o razoável” (1118b).Como exemplo poderíamos citar o os chocolates que, se muitos gostam, alguns se excedem neste gosto, chegando a passar mal devido ao excesso de ingestão desse alimento ou as bebidas alcoólicas, que causam tantos problemas nas famílias. A compulsão causada pela imoderação é causada, portanto, pelo sofrimento que a falta de um prazer causa. Daí que Aristóteles conclua ser bastante reprovável a concupiscência, visto que são inúmeras as ocasiões que temos no cotidiano para resistir aos seus apelos. Parece paradoxal que algo a que sejamos tentados continuamente seja mais fácil de superar, mas se pensarmos que virtude é um hábito, o paradoxo desaparece, pois assim temos muitas chances de adquiri-la. 

O que é, então, a pessoa moderada? É aquela que também deseja coisas agradáveis, mas desde que “as mesmas não sejam um obstáculo à consecução dos fins a que visam, ou contrárias ao que é nobilitante, nem estejam além dos seus recursos” (1119 a). As pessoas imoderadas ignoram essas ressalvas, pois amam o prazer mais do que o fim, sendo imediatista, causando prejuízo até mesmo para sua honra (“contrária ao que é nobilitante”) e causando prejuízo a si e a sua família (“além de seus recursos”).

Logo, contrariando o que dizíamos no início dessas considerações, a moderação não é uma privação de liberdade, mas sim domínio de si. Como seres humanos, nem sempre agimos conforme a nossa razão, deixando que paixões nos arrastem. Por isso Aristóteles compara a concupiscência a uma criança mimada, pois nelas o desejo de prazer é insaciável e generalizado. Se essa tendência é estimulada, diz o filósofo, a própria capacidade de raciocinar é aniquilada. Por isso, conclui, os desejos de prazer “devem ser poucos e moderados, e não devem de forma alguma opor-se à razão (...). Logo, na pessoa moderada a parte apetitiva da alma deve harmonizar-se com a razão, pois o objetivo de ambas é harmonizar-se com a razão, pois o objetivo de ambas é aquilo que é nobilitante, e a pessoa moderada deseja as coisas que deve desejar e quando deve desejar; é isto que a razão determina” (1119 b) e, no fim das contas, isso é verdadeira liberdade: domínio sobre si.

“Beber com moderação” é, portanto, beber melhor, saber sentir prazer com o que é bom, pois o excesso tira o próprio sabor do que é bom, sendo apenas compulsão. Moderação não é privação, mas senhorio da parte apetitiva da nossa alma.    


café e sabor

 

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Eduardo Gama, professor de redação e literatura em Jundiaí e Campinas. Mestres em Literatura pela USP, tradutor, jornalista e publicitário. É autor do livro de poemas "Sonata para verso e voz" e editor dos sites www.doutrinacatolica.com.br e www.revisaoetraducao.com.br

e-mail: redator@portaldafamilia.org

 

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