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Coluna "Por dentro da dança"

Entendendo a dança 10: A Academia

Eliana Caminada


Molière e Lully: Comèdie-ballet, uma encenação de alto nível artístico
Luís XIV: o ballet se torna uma arte acadêmica
Profissão: bailarino, ou seja: um profissional formado em ballet

Os “ballets à entreés” foram, como já vimos, a síntese dos outros dois modelos de ballets de corte. Neles os personagens típicos dos “ballets masquerades” começaram a dividir a cena com o luxo das cenografias; o relato dramático voltou a ser adotado, dando consistência à encenação. O trio básico da Commedia dell’Arte, Pierrot, Arlequim e Colombina, desenvolveu uma longa carreira.

Oriundo das classes populares influenciou, mais tarde, a elite, sem jamais perder seu sabor de rua e de povo.

Por essa época somente os homens eram considerados artistas; em nome da moral poucas vezes foi permitido às mulheres participar da dança “profissional”. A elas só era permitido entrar no baile final.

Esse modelo de encenação, uma sucessão de danças cortesãs da moda, seguiu até o romantismo. À técnica da época, onde se pretendia misturar o virtuosismo das danças italianas com o refinamento francês, juntava-se movimentos de esgrima e de equitação, numa óbvia tentativa de suprir, de forma harmoniosa, a eventual falta de talento dos dançarinos.

Paradoxalmente, o ballet libertou-se da presença de amadores aristocratas que a ele se impunham através de Luís XIV, segundo relatos, exímio bailarino. O Rei Sol fundou primeiramente, em 1661, a Académie Royale de Danse, instituição que não deu o resultado esperado, mas que revelou, desde então, o amor do monarca por aquela dança que se refinava cada vez mais. Tornava-se eterna, como o tempo se incumbiu de revelar.

Aqui a história do ballet precisa render homenagem a duas figuras extraordinárias: o compositor Giovanni-Baptiste Lulli, conhecido como Lully, e o dramaturgo e comediógrafo Jean Baptiste Poquelin, o Molière, criadores do gênero “Comèdie ballet”. Molière e seu texto imortal, em colaboração com a música de Lully, não apenas deixou um grande legado que o teatro de prosa não deixou morrer, mas também semeou o terreno para a profissionalização do ballet. A qualidade dos espetáculos que apresentavam ultrapassava qualquer outra encenação até então conhecida.

Dentre as peças de Molière ainda hoje encenadas com enorme sucesso vale citar “O Doente Imaginário” e “O Burguês Fidalgo”, ambas historicamente bem representadas por atores brasileiros.

Em 1669, Luís XIV, influenciado por Lully, que excluíra Molière de seus projetos, propiciou as condições para libertar – ele supunha que, definitivamente - o ballet de diletantes, ao criar a Academie Royale de Musique, cuja direção entregou ao músico, dotando-a, três anos mais tarde, de uma escola de dança que se tornou o que hoje conhecemos como Ballet da Ópera de Paris. O ballet tornara-se uma profissão.

Salários foram instituídos para homens e mulheres, um feito para a época, e as apresentações foram abertas ao público. Mademoseille Lafontaine entrou para a história como a primeira mulher a dançar em público. A célebre apresentação se deu no ballet “Triomphe de l’Amour”, de 1681. Pierre Beauchamps, diretor da Escola de Dança, fixou para sempre as normas essenciais já propostas por Arbeau: as cinco posições de pés e o en dehors como fatores indispensáveis de estabilidade.

Ao codificar os princípios da técnica de ballet Beuchamps criou o primeiro esboço de uma escola que, segundo a definição de Mário de Andrade, é “determinada concepção técnica e estética de Arte seguida por vários artistas, ao mesmo tempo, em diversos lugares”.

As casas de espetáculos, com a divisão entre o palco e a platéia, ainda que unidos por uma rampa, exigiram o desenvolvimento técnico de uma dança que, ao contrário das demais (pavana, courante, galharda, etc. [1]), não desaparecera: tornara-se “clássica”.

Com seu vocabulário enriquecido com novos movimentos, o ballet acadêmico começou a produzir os primeiros grandes bailarinos. Dentre os mais famosos destacam-se os Vestris, pai e filho, e Louis Dupré, o primeiro Rei da Dança. As bailarinas Marie Sallé e La Camargo, de estilos e temperamentos opostos, ambas revolucionárias e transformadoras, protagonizaram a primeira história de rivalidade entre bailarinas.

Afirma Adolfo Salazar em seu livro “História da dança e do ballet”:

“Da perpetuidade dos fundamentos técnicos e do conceito geral da dança clássica nasceram inúmeros estilos de danças modernas e contemporâneas, descendentes legítimas da dança clássica”.

A “Tragédie-Ballet”, resultado de um Lully cada vez mais preocupado com a composição musical e buscando o texto de trágicos franceses como Corneille[2] e Racine[3], desaguou no desenvolvimento da autêntica “Ópera-Ballet”, gênero que fixou para sempre o modelo de ópera francesa. A bem da verdade, a separação entre as duas encenações só foi adotada, de fato, no século XIX.

O período acadêmico ou “clássico” foi de importância inestimável para a conquista da técnica e para que o ballet se tornasse uma arte cênica, não mais uma diversão de amadores aristocratas. Ainda usamos palavras de Salazar para definir a técnica acadêmica:

“A parte verdadeiramente notável em que se baseia a gramática de dança acadêmica consiste em que está montada com um mecanismo rigoroso que, de princípios rudimentares, as cinco posições dos pés, vai se complicando ordenadamente até ao ponto em que, quando as figuras ou passos mais complicados intervêm, é possível decompô-los, peça por peça, movimento por movimento, até voltar a encontrar por um caminho inverso todos os passos que vagarosamente foram integrando aqueles. Nada se improvisa na dança “clássica”; tudo está matematicamente regulado...”

Notas

[1] Danças conhecidas desde o final da Idade Média e que se sucediam no gosto da nobreza.

[2] Pierre Corneille (1606-1684).

[3] Jean Racine (1639 –1699).

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Eliana Caminada é Orientadora e consultora, escreveu vários livros sobre dança, e responde pelas disciplinas História da Dança e Técnica de Ballet Clássico no Centro Universitário da Cidade. Professora convidada no projeto "Sons Dançados do Brasil" do Centro de Artes Calouste Gulbenkian, colabora com o jornal "Dança, Arte & Ação" e participa, como palestrante, jurada ou pedagoga, de festivais e mostras de dança por todo o Brasil. Foi bailarina do "Corpo de Baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro", primeira-bailarina do "Balé Guairá" e solista do "Ballet da Ópera Estatal de Munique".
Ela também edita o site www.elianacaminada.net

e-mail: e.caminada@gmail.com

Publicado no Portal da Família em 19/03/2007

 

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