logotipo Portal da Familia

Portal da Família
Início Família Pais Filhos Avós Cidadania
Vídeos Painel Notícias Links Vida Colunistas
 

Coluna "Por dentro da dança"
Entendendo a Dança 3

Eliana Caminada


Neste capítulo veremos a dança analisada segundo ornamentos, formas, direção, números, lados, sexos e música, com o que podemos encerrar o ciclo ao qual convencionamos denominar 'conceituação de dança'.

'O ato de trançar cordas é uma atividade simbólica que aparece com freqüência e que se baseia na noção do tecer e do fiar das três parcas[1]. Quando a atividade da natureza e sua potencialidade figurativa e formadora foi representada por esses ofícios artesanais, o homem reconheceu neles um maior número de relações com o trabalho de criação telúrica. No ato de juntar dois fios pode-se ver a dualidade do poder e a penetração das potências dos dois sexos requeridos para gerar. Essa relação se faz mais clara quando se considera a técnica do tear; o entrecruzamento dos fios e suas alternadas aparições e desaparições constroem uma figura que corresponderia, em todas as suas partes, ao trabalho da natureza”.

J.J. Bachofen[2]

Adornos e ornamentos

Os adornos e os ornamentos, usados como vigorosos recursos para induzir ao êxtase, são encontrados desde as mais primitivas manifestações ritualísticas; até os chimpanzés se enfeitam e se pintam. De simples linhas pintadas, num trajeto infinito de criações fantásticas, passamos por tatuagens, penas, plumas, etc., e chegamos aos trajes e acessórios dos nossos dias, milhares, apropriados a um número incontável de situações.

Quando os enfeites serviam a um ritual religioso ajudavam, por um lado, através de cores, formas ou materiais, a intensificar o êxtase; por outro auxiliava a acentuar o aspecto mimético da dança de imagem, configurando a presença da dança mesclada na dança mascarada.

A máscara, tão utilizada, foi um dos adornos mais poderosos. Aos poucos foi perdendo sua função e terminou, em geral, sendo substituída pela maquiagem.

Três linhas principais de desenvolvimento levam a dança mascarada ao mundo contemporâneo: a 1a, descendente, revela uma contínua degeneração e profanação, desaguando no carnaval dos países ocidentais, que nada conservaram dos antigos ritos de fecundação, a não ser a própria máscara e seu disfarce; a 2a chega até o universo infantil que, por seu intermédio, satisfaz o desejo de fazer crer, tão peculiar à criança; a 3a linha, ascendente, faz uso dos recursos expressionistas da máscara e nos transporta diretamente ao drama.

Formas:

Quanto às formas as danças podem ser individuais, de par, corais, contínuas ou de retorno.

O círculo sem contato é a forma mais antiga de dança coral (de conjunto). À medida que vai evoluindo adquire um significado especial uma vez que, em princípio, rodear um objeto é se apossar dele, rodear uma pessoa é dominá-la.

As danças circulares compreendem rondas simples, duplas, triplas, quádruplas ou de mais círculos, com ou sem contato entre os executantes.

A maioria das danças abstratas, calcadas na idéia de fechamento ao mundo exterior, utilizou o círculo; as miméticas adotaram principalmente a fila, já que esta formação permitia uma comunicação mais fácil entre os componentes e, deles, com o mundo que os rodeava. Quando o círculo foi adotado como forma das primeiras construções, a dança já o utilizava há muito tempo. O ato de se envolver para se proteger ou envolver aqueles ou aquilo que amamos, é bem sintomático dessa idéia; porque o círculo traz consigo a idéia de proteção.

Interessante, é observar que o impulso que levou o homem a construir choças retangulares foi o mesmo que o fez adotar uma linha reta, assim como, às culturas que adotaram as danças em círculo, correspondem construções redondas. Aparentemente, uma forte necessidade interior associou o impulso gerador do movimento da dança e o que funcionou para levantar abrigos.

Quanto às danças contínuas e as de retorno, ambas se originaram do ciclo de tensão e distensão próprias do nosso dinamismo interno. Nas danças contínuas se observa a tendência deslizante, sempre para frente; nas de retorno, a cada dois passos para frente se executa um para trás. A procissão dos Penitentes de Lazarenos, na Espanha, é um exemplo típico do movimento de retorno.

Direção:

No movimento circular, o sentido mais usado é o da direita, ou seja, o mesmo em que avançam os ponteiros do relógio. Em rituais primitivos o sentido para a esquerda era, muitas vezes, ligado a danças fúnebres.

As rondas serpentinas e as danças de labirinto se originaram da figura do oito com seu duplo “s” e tiveram como ponto de partida o próprio círculo. Em algum momento, em função de espaço ou do número de participantes, a forma circular tornou-se aberta e livre e a ronda se converteu em movimento serpentino, cuja lenda nos remete à Grécia, ao mito de Teseu[3] e à ilha de Creta.

Toda estrutura labiríntica pressupõe o movimento, mas o movimento de serpente independe da forma de labirinto. Associado à mesma idéia, vale lembrar do movimento em zig-zag, encontrado em várias danças primitivas, expressão de manifestação espontânea e sensorial que evita o caminho reto.

A adoção das filas trouxe às danças a idéia do cruzamento com sua idéia de entrelaçar, atravessar e tecer; a mesma da arte de fiar, tramar e trançar.  O tema do trançado merece uma observação. Apesar de nascidas do impulso que tende ao movimento, as artes do trançado e do ornamento não se relacionaram no que se refere às formas. Razões técnicas, sexuais, que predominavam nesse tipo de atividade, entre outras, impediram, com freqüência, essa relação, tornando difícil reconhecer qual das duas formas de arte lançou primeiro mão da idéia do trançamento. Provavelmente a dança o fez antes da decoração.

Números

Os números foram, muitas vezes, considerados sagrados e, em função deles, variavam a quantidade de rondas, passos, dias dos bailes, cantos, refrões, etc. Nas culturas matriarcais agrícolas, com suas religiões terrestres e lunares, os números pares eram os sagrados; ao contrário, para os povos totemistas, patriarcais e solares, os números ímpares é que mereceram essa classificação.

Lados:

Em seus estudos antropológicos, o mesmo Bachofen observou e registrou a preferência do corpo para o lado esquerdo ou para o direito, associando tal inclinação à história da cultura. Nos matriarcados agrícolas o lado esquerdo prevaleceu; o direito foi o preferido nos patriarcados e entre nobres e caçadores. No nosso dia a dia, em geral, revelamo-nos destros, ainda que, muitas vezes, em giros, manifestemos uma tendência, totalmente inexplicável, para o outro lado.

Os sexos:

As danças masculinas são muito mais numerosas que as femininas; danças de caça, solares, medicinais, xamânicas, guerreiras miméticas e de animais, entre várias outras, sempre foram executadas somente por homens. Instrumentos tais como flautas, tubas e berrantes não podiam, por vezes, sequer ser olhados pelas mulheres, sob pena de severa punição.

As danças femininas, entre as quais as de fecundidade e fertilidade, realizadas em função de atrair chuva, de aumentar a colheita, de festejar núpcias e partos, e as danças lunares, se basearam nos conceitos das culturas essencialmente agrícolas. Nelas, a presença masculina era considerada transgressão passível de ser punida com a morte. Ritos fúnebres pré-agrícolas também foram encontrados em culturas matriarcais.  Não se registrou o uso de máscaras nas danças fúnebres quando executadas por mulheres.

As danças mistas, mais recentes, surgiram nas culturas femininas agrícolas e acabaram por se difundir, tanto entre as culturas campesinas, quanto entre as nobres, chegando às manifestações culturais superiores. As religiões monoteístas chegaram, em determinados momentos da história, a proibir a execução de danças mistas; na Idade Média ela só era liberada em ocasiões especiais.

Música:

Mário de Andrade em “Pequena História da Música” afirma que o homem encontrou dentro de si mesmo, na sua respiração, nas batidas do seu coração, no ritmo do próprio caminhar, seus primeiros acompanhamentos rítmicos; a voz produz o som. Assim desenvolvemos os dois componentes básicos da música: o ritmo e o som.

A necessidade de imitar os ruídos da natureza que o cercava contribuiu para a evolução sonora do homem. A palmada se fez ouvir como um som agudo que se antepunha ao som grave do golpe do pé no chão de terra nua.

À natural progressividade trouxe o aplauso, as “castanholas” com os dedos e a otimização mais efetiva dos braços e pernas através de objetos. O tambor surgiu como o prolongamento dos membros superiores com a finalidade de lhes valorizar o som.

Gradativamente, instrumentos que funcionavam como marcadores rítmicos se revelaram poderosos auxiliares para a dança de fundo religioso. Entre eles podem ser citados os címbalos, os raspadores, a vara de percussão, a flauta e o gongo. O som do gongo favorece o estado de êxtase e pode, até hoje, ser apreciado, em todo o seu potencial, na China e da Índia.

O canto e a dança, que sempre estiveram intimamente associados e nasceram do impulso para o movimento, expressam muito bem o contraste entre o universo feminino e o masculino. Os cantos de tribos livres e selvagens eram altissonantes e violentos; os homens lançavam mão de todos os recursos de voz para se expressarem e o compasso de suas danças tendeu a ser ternário e portanto menos rígido. Já os cantos das tribos introvertidas e serenas eram tímidos e tranqüilos; as mulheres cantavam com a boca fechada, usando poucos movimentos dos lábios e, na maioria das vezes, o compasso utilizado era binário.

A música instrumental melódica só surgiu nas culturas campesinas superiores. Nas danças acompanhadas por melodia os homens utilizaram os instrumentos de sopro, da classe dos extrovertidos, e as mulheres os de corda, da categoria dos introvertidos.

Essas características foram determinantes para formar o caráter das danças européias, desde a Idade Média, até danças muito recentes.


Eliana Caminada é Orientadora e consultora, escreveu vários livros sobre dança, e responde pelas disciplinas História da Dança e Técnica de Ballet Clássico no Centro Universitário da Cidade. Professora convidada no projeto "Sons Dançados do Brasil" do Centro de Artes Calouste Gulbenkian, colabora com o jornal "Dança, Arte & Ação" e participa, como palestrante, jurada ou pedagoga, de festivais e mostras de dança por todo o Brasil. Foi bailarina do "Corpo de Baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro", primeira-bailarina do "Balé Guairá" e solista do "Ballet da Ópera Estatal de Munique".
Ela também edita o site www.elianacaminada.net

e-mail: e.caminada@gmail.com

 

Ver outros artigos da coluna

 

[1] Figuras da mitologia grega que seriam responsáveis pela urdidura do destino dos homens.

[2] J.J. Bachofen (1815-1883), historiador, filósofo e antropólogo.

[3] Teseu, cálebre figura da mitologia grega, libertou os jovens gregos dos garras do minotauro, ser híbrido de homem e animal, que habitava o o "Labirinto. palácio do rei Minos, Levando consigo um cordão que lhe fora dado por Ariadne, conseguiu chegar ao minotauro, mata-lo e encontrar a saída do Labirinto.

Divulgue este artigo para outras famílias e amigos.

Inscreva-se no nosso Boletim Eletrônico e seja informado por email sobre as novidades do Portal
www.portaldafamilia.org


Publicidade