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CLONAGEM E CLONAGEM TERAPÊUTICA: ALGUMAS QUESTÕES TÉCNICAS NÃO DIVULGADAS PELA MÍDIA

Profa. Dra. Alice Teixeira Ferreira

Prof. Dr. Dalton Luiz de Paula Ramos

 

A clonagem humana consiste em se retirar o núcleo de um óvulo humano e substitui-lo pelo núcleo de uma célula de um outro tecido de uma pessoa a ser clonada. Foi assim que se obteve os clones "Dolly" (ovelha) , "CC" (gata) e "Marcolino" (bezerro).

Para se ter sucesso foram necessários centenas de óvulos de cada animal obtendo-se alguns embriões viáveis que foram implantados em fêmeas, sendo que só uma ovelha, uma gata e uma vaca conseguiriam levar a gravidez a termo. Com cachorros e macacos tem-se resultado em monstros. Com camundongos, inicialmente supostamente normais, apresentaram sérias deficiências e estão todos mortos.

A "Dolly" já apresenta sinais de envelhecimento precoce, pois parece que, de acordo com a geneticista Dra. Eliane de Azevedo, da célula adulta da qual se retira o núcleo a ser implantado no óvulo anucleado leva toda a sua carga de DNA velho, mutado, alterado.

A tentativa de clonagem humana é um fracasso até agora. No artigo publicado na conceituada revista científica Scientific American de janeiro de 2002 (o artigo original foi publicado no J. Regen. Med, 25 de novembro de 2001) e em suas seções de cartas posteriores, vemos que se conseguiu um conjunto de 6 células, com diferentes números de Cromossomos: constitui o que se chama de "a fake experiment". O autor de tal feito, Jose B. Cibelli da Advanced Cell Technology, diz que necessita de pelo menos 200 óvulos humanos e pretende arranjar fundos para compra-los de "voluntárias" ao preço de 400 dólares cada.

Para tal é necessário estimular a ovulação com hormônios, retira-los, quando maduros, por aspiração por uma sonda introduzida via vaginal e acompanhada por imagens de um aparelho de ultra-som, de tal modo que a mulher correrá certo risco. Admitindo que se queira dar utilidade aos embriões humanos excedentes obtidos na fertilização artificial, que não é legalmente aceita no Brasil, as células retiradas da blástula (determinado estágio do embrião humano) tem de ser cultivadas sobre uma camada de células fetais. No artigo do Science vol 295, 8/3/02, pg 1818-20, as células tronco embrionárias humanas cresceram sobre uma camada de células fetais de camundongo e estão pretendendo utilizar células fetais humanas, obtidas da prega gonadal.

Assim ao apoiar esta linha de pesquisa está-se apoiando o aborto também pois essas células fetais só podem ser obtidas de fetos abortados.

Na fase de blástula o embrião é uma esfera oca, possuído num dos pólos um concentrado de células indiferenciadas, toti-potentes, chamadas células-tronco embrionárias que originarão os diferentes tecido que constituirão o corpo humano. São estas células que estão querendo transplantar para corrigir as lesões tissulares em pacientes com paraplegia, diabetes, Alzheimer, etc. O resto das células desta esfera constituirão a placenta. É nesta fase que o embrião se implanta no útero materno.

Histocompatibilidade é a propriedade do tecido aceitar o transplante do tecido de um doador. Está relacionado com a rejeição. Por isto estão interessados na clonagem humana: se utilizar células-tronco embrionárias, que além de serem da espécie humana, for de um embrião produzido a partir de núcleo celular do paciente, terá o mesmo DNA deste e portanto não haverá a rejeição destas células transplantadas. No caso da tentativa de clonagem das vacas houve transplante das células tronco de embriões heterólogos e não houve rejeição, isto é, houve "pega". Estas células-tronco seriam sempre histocompativel com o receptor? Os pesquisadores dizem que não existe tal problema com as vacas, será que com o ser humano é a mesma coisa?

Outro problema, além da rejeição, seria o risco de surgir cânceres, e o pior deles, o teratoma, decorrente do fenômeno de diferenciação celular anômala. É possível acontecer que as células-tronco enxertadas em um tecido ou órgão doente, em vez de desenvolver os desejados tecidos normais, venham a desenvolver células cancerígenas. E esse risco é muito maior quando se utilizam células tronco de origem embrionária, que nesses casos possibilitam o desenvolvimento de cânceres bem mais mortais. Os canceres de origem embrionária não respondem aos tratamentos convencionais.

Não se conhece ainda os fatores que determinam a diferenciação e/ou transdiferenciação celular.

Na busca de alternativas éticas para realizar a terapias celulares para doenças crônico-degenerativas tais como diabetes, lesões cardíacas, neurológicas, etc, que no futuro substituirão os transplantes, pesquisadores da UNIFESP - entre os quais a autora desse documento -, como também os Drs Antonio Campos de Carvalho, Masako Masuda, Radovan Borojevic, Hans Fernando Dohmann, Rosália Mendez-Otero da UFRJ, Ricardo R. dos Santos da FioCruz de Salvador, este último coordenador do Instituto do Milênio de Bioengenharia Tecidual, estão estudando a possibilidade do uso das células tronco retiradas de adultos, levando em conta não só o problema da histocompatibilidade como o da transdiferenciação.

Devido ao risco de cancerização, a equipe da UFRJ desenvolve atualmente estudos para o tratamento de coração lesado, visto que o tecido cardíaco parece não apresentar esse risco (quem já ouviu falar de câncer de coração ?), estudo esse que já apresenta resultados positivos, com dados já divulgados na revista Época de 6 de maio de 2002 e apresentados no Seminário sobre Terapia Celular em Cardiologia realizado em 20/9/02, em São Paulo.

Também desenvolvemos pesquisas de engenharia tissular (área nova que já vem sendo discutida na revista Nature - volume 414, 1/11/01), com a utilização de animais de laboratório, envolvendo recuperação de tecidos nervosos. Para tanto utilizam-se células tronco originárias da medula óssea (Nature - volume 417, 20/6/02) de animais adultos isogênicos ( animais de uma dada linhagem, produzido por vários cruzamentos interfamiliares de tal maneira que são praticamente clones). A técnica consiste na perfusão de femures dos animais com solução fisiológica. Este material é coletado e cultivado em garrafas de cultura com meio adequado. As células que surgem suspensa são elementos figurados do sangue e são descartadas quando se renova o meio de cultura. É no estroma que fica aderido à garrafa de cultura que ficam as células-tronco adultas. Quando se tiver entorno de 106 células estamiais/mililitro, esta suspensão é injetada, através de uma cânula ou catéter na região lesada. Em se tratando de animais pequenos, como camundongos isogênicos, a suspensão de células-tronco cultivadas é injetada na artéria caudal. Devo frisar que, em se tratando de animais isogênicos o transplante de células cultivadas obtidas de um animal e injetadas em um outro não tem problema de histocompatibilidade, pois um é clone do outro, Estuda-se o papel da matriz celular na neoneurogenese que ocorre no hipocampo lesado com pilocarpina, onde as células- tronco locais podem substituir as lesadas e refazer as conexões adequadamente se soubermos que ezimas dessa matriz devem ser ativados ou inibidos. Essas pesquisas tem demonstrado resultados promissores para a solução de crises epiléticas, da paraplegia, entre outros problemas neurológicos.

Assim, afirmamos que para reparar tecidos lesados é possível utilizar outras fontes de células-tronco que não as embrionárias.


IMPLICAÇÕES ÉTICAS E ECONÔMICAS

Concordamos que o embrião, mesmo com algumas horas de existência, já é um ser humano. A partir desse fundamento, as pesquisas que envolvam o sacrifício de embriões humanos, eufemisticamente denominadas de clonagem "terapêutica", são inaceitáveis pois desvirtuam o próprio sentido da investigação científica.

Aceitamos que existe limites éticos para a pesquisa científica e admitimos que é legítimo se buscar as soluções para os males que comprometem a humanidade - paraplegia, diabetes, Parkinson, etc - e os cientistas devem se empenhar nessa busca, mas não admitimos, como Jeramy Bentham, que TUDO se justifica para se atingir a maior felicidade do maior número de pessoas. Justaponho à esta idéia de sacrifício de alguns para a felicidade de todos a outra posição do materialista Sartre: é impossível se fazer o BEM à todos, como ele procura demonstrar em sua peça "O Diabo e o Bom Deus".

Reafirmamos que para reparar tecidos lesados é possível utilizar outras fontes de células-tronco que não as embrionárias humanas e estamos demonstrando com fatos resultante de nossos resultados experimentais.

O Código de Nuremberg (1947) estabeleceu internacionalmente o princípio ético que não se deve realizar experimentos que envolvam seres humanos cuja avaliação de riscos e benefícios não estejam suficientemente comprovadas e mensuradas em pesquisas pré-clínicas. Este código baseia-se na afirmação kantiana sobre a DIGNIDADE HUMANA: o ser humano não deve ser utilizado como um meio para atingir outro objetivo que não a sua própria humanidade. Esta afirmativa exclui categoricamente qualquer instrumentalização de seres humanos para outros objetivos que não a sua própria existência. Como este principio de Immanuel Kant norteando a DIGNIDADE HUMANA proibe a procriação de um embrião humano com o propósito de pesquisa científica ou médica, no Sexto Congresso Internacional de Bioética, realizado em Brasilia de 30/10 à 3/11 de 2002 houve muitos discursos ideológicos explorando os justos sentimentos da população que anseia pela solução de seus problemas de saúde. Os debates foram desde uma re-interpretação da filosofia kantiana até a categorização do ser humano, que obviamente privilegia a categoria adulto produtivo tornando descartáveis os embriões, os doentes, os velhos.

Com isto tivemos francas ( para não dizer descaradas) defesas da eutanásia, da eugenia (seleção de embriões e clonagem humana) e obviamente da clonagem terapeutica pelos "filósofos do milênio": Peter Singer, Julian Savulescu, John Harris, Fermin Roland Schramm. Em suas argumentações não aceitavam a oposição de fatos, pois eram tão frágeis que esvaneciam-se frente a realidade de dados expeimentais. Não valia para eles o ditado : "frente à dados não se opõe argumentos".

Com isto procuraram criar um clima cultural que favorecesse a condenação de todos aqueles que levantavam prudentes objeções àquelas pesquisas que, supostamente, necessitam desses embriões para alcançar aquelas descobertas científicas tão almejadas por todos. Estes últimos passaram a ser rotulados de "moralistas retrógrados", "fundamentalistas" ou "dogmáticos". Assim, os verdadeiros realistas - aqueles que apenas desejam que todos os fatores da realidade sejam considerados em prol do benefício de todos - são apresentados como os vilões da história, pois estavam engessando a Ciência

Mas a quem, então, interessa a liberação do uso de embriões humanos nessas pesquisas ?

Hoje, no Brasil, podem existir entre 10 a 20 mil embriões humanos congelados, excedentes dos processos de reprodução assistida. Essa superpopulação de embriões gera despesas e constitui-se em um problema sem solução, a não ser que se "legitimize" - moral e legalmente - seu uso.

Pior ainda, "legitima-se" também o aborto, fonte de embriões e células fetais.

Essa legitimização, além dos conseqüentes benefícios financeiros para aqueles que custosamente precisam manter congelados embriões excedentes e que passariam a ter onde escoar seus estoques, também representaria um incentivo indireto para a prática da reprodução assistida, uma vez que deixariam de existir objeções à utilização dessas técnicas devido ao incômodo moral ou sentimental da produção dos embriões excedentes, o que aqueceria o mercado de oferecimento dessas técnicas.

E, ainda pior, não podemos deixar de considerar a catastrófica possibilidade de se estabelecer - com ou sem o apoio da lei - um mercado de embriões humanos. O aborto passa também a interessar a um mercado sedento de embriões e fetos humanos.

O desenvolvimento de novas terapêuticas é desejado. O século passado está repleto de relatos de pesquisas que envolveram pessoas hiposuficientes ou com autonomia comprometida - prisioneiros, etnias desprovidas de direitos civis, populações miseráveis de países subdesenvolvidos, etc - que se tornaram público alvo de pesquisadores (e seus patrocinadores) sem escrúpulos que escolhiam tais grupos populacionais para constituir os grupos amostrais de suas pesquisas, justamente porque essas pessoas, nas precárias condições que se encontravam, não poderiam cobrar dos pesquisadores as responsabilidades éticas e legais que esses tem para com aqueles que colaboram com suas pesquisas, principalmente se os resultados não forem bons.

Mais ainda, para os patrocinadores da pesquisa (industrias e/ou governos), que depois vão deter as patentes e os direitos comerciais dos bons resultados da pesquisa, interessa a utilização desses sujeitos que dificilmente saberão ou poderão exigir os seus direitos de participação nestas patentes. Nessa lógica utilitarista, nada mais cômodo que a utilização de embriões humanos, desprovidos de "identidade civil" e voz própria para fazer valer seus direitos.

O respeito pelo ser humano nos coloca em oposição aos esforços em reduzir a vidas humanas ao status de meras ferramentas de investigação, patentes e produtos industriais.

No documento Reflexões sobre a Clonagem, da Pontifícia Academia para a Vida (L'Osservatore Romano, N.27, 05.07.97) afirma-se, muito propriamente, que "o progresso da investigação científica não se identifica com o despotismo científico emergente, que hoje parece tomar o lugar das antigas ideologias". O mesmo documento afirma que "a solicitação mais urgente, neste momento, é a de recompor a harmonia das exigências da investigação científica com os valores humanos inalienáveis."

Extremamente pertinente a declaração de Mary Jane Owen, pessoa cega e paraplégica, diretora executiva do National Catholic Office for Person with Disabilities no Congresso Americano, em 26/4/2000:

"Eu penso que perdemos nosso senso de moralidade e de maravilha sobre a vida humana. Nos tornamos tão utilitaristas que aparentemente parece ser apropriado fazermos pesquisas que sacrificamos uma vida futura para o benefício de alguém. Isto é o que se está propondo na produção de embriões humanos para propósitos utilitários, pondo de lado as regras éticas". E finaliza: "Eu aqui imploro: Não faça isto em nome do benefício das pessoas deficientes, não justifique a destruição de embriões humanos na pesquisa de clonagem terapêutica dizendo que vai salvar vidas, pois tal prática além de imoral é desnecessária".

 

Profa. Dra. Alice Teixeira Ferreira
Livre Docente do Dep. de Biofísica
Membro do Comité de Ética em Pesquisa da UNIFESP
Membro do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP

Prof. Dr. Dalton Luiz de Paula Ramos
Professor de Bioética da Fac. de Odontologia da USP
Membro do Comitê de Ética em Pesquisa da FOUSP e da UNIb
Membro do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP

 

 

 

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