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Enxergar as pessoas por detrás dos doentes

O doutor Olivier Jonquet, do Hospital Universitário de Montpellier, na França, fala sobre cuidados paliativos

 

Curar e cuidar, diz o dr. Jonquet, são missões inseparáveis da medicina. "Todo médico vive nessa tensão entre cuidados paliativos e cuidados curativos. Com muita freqüência se opõem estes dois enfoques, quando na verdade são complementares. No meu trabalho, o fato de não fazer uma diálise ou uma traqueostomia em um paciente não quer dizer que renunciemos a curá-lo. Eu posso limitar os cuidados "técnicos" para dar uma atenção global, psicológica, afetiva, coletiva. Olhar, escutar, tocar um paciente: isso faz parte da medicina paliativa... por outro lado, pode-se fazer uma diálise em alguém e olhá-lo. Uma e outra coisa não se excluem."

A tecnificação da medicina, prossegue Jonquet, pode fazer que se esqueça o fundamental: que o paciente é uma pessoa. "A primeira coisa que devo ver quando estou diante de um paciente é a imagem de uma pessoa, não um cérebro cansado, um pulmão estropiado ou um fígado desgastado. Nos estudos de medicina, como na própria vida, é preciso chegar a esta noção de pessoa. Quando entramos em um quarto cheio de máquinas, peço aos estudantes que comecem aproximando-se do doente, mesmo que esteja dormindo, tocando-o talvez, e só depois consultem os monitores e as fichas de dados técnicos. Se não prestarem atenção a isso, nosso trabalho se mecanizará muito rapidamente, e logo o paciente será visto como nada mais que um. velho motor enferrujado. E, quando um motor deixa de funcionar, vai para o ferro-velho. No fundo, esse encarniçamento terapêutico e a tentação de desfazer-se de um paciente terminal são conseqüência de um mesmo desvio no modo de olhar as pessoas."

Pelo mesmo motivo, são completamente diferentes a eutanásia e a suspensão do tratamento quando não há possibilidade de evitar a morte. "Nosso trabalho é salvar vidas. E, quando não é possível, acalmar os doentes, evitar que sofram. Mas, sobretudo, não é nossa competência colocar prazos. Coloca-se prazo quando injetam um coquetel de lítio ou potássio intravenoso que provoca parada cardíaca em poucos minutos. Às vezes me dou conta de que um paciente vai morrer logo. Quando depende de um respirador artificial ou de drogas que mantêm o coração funcionando, eu posso fazer o que se chama uma desescalada terapêutica: tirar os métodos técnicos artificiais. A morte pode, então, chegar em horas, ou em dias, mas não foi programada nem desejada por si mesma. Isso não tem nada a ver com eutanásia: trata-se de deixar que o processo natural se desenvolva, sem querer determinar um prazo nem usar meios inúteis ou desproporcionados."

Então, o certo seria não se importar com o doente que pede a eutanásia? "Pelo contrário - responde Jonquet -: é preciso escutá-lo bem. Um paciente que se sente mal, que sofre, naturalmente deseja que isso não dure. Às vezes ouço pacientes em tal situação que me espetam: 'doutor, quero morrer!'. Mas isso não quer dizer 'depressa, dê-me uma injeção letal', mas sim 'alivie-me, escute-me, olhe-me, toque-me! Fique comigo uns minutos!'. É necessário decifrar o significado profundo do que uma pessoa diz. Ainda bem que hoje contamos com meios para acalmar a dor física e acompanhar o doente no sofrimento moral. Esses pedidos por parte de pacientes são, felizmente, muito raros. O mais comum é que sejam os familiares ou o pessoal do hospital quem expressa sua dificuldade para viver a fase terminal de um doente pedindo a eutanásia para ele."

Por isso as campanhas a favor da eutanásia preocupam Jonquet: criam uma confusão que "destrói a confiança entre médicos e pacientes" e "abre a porta a todos os abusos."

Jonquet ilustra suas afirmações com uma história: "Faz algum tempo, um paciente com embolia pulmonar me viu entrar em seu quarto. Eu estava um pouco nervoso e, sem dúvida, pouco risonho. Eu estava com a supervisora, que tinha uma seringa automática. Nós a conectamos ao doente, e ele gritou: 'Doutor, não quero morrer!'. Só mais tarde, quando se acalmou, me disse que tinha medo que lhe aplicassem a eutanásia." Conclui Jonquet: "Matar um doente elimina a questão da morte sem solucionar problema algum."

Condensado de Étique et Populations, verão/99

Fonte: Interprensa - Ano III - Número 33 - Março de 2000

www.interprensa.com.br

 

site do Interprensa

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