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André Gonçalves Fernandes
Coluna "Lanterna na Proa"

Confusão ética?

André Gonçalves Fernandes

Vivemos numa sociedade e num tempo em que a defesa de padrões éticos na vida pública e na gestão de negócios é, por assim dizer, um imperativo categórico. O episódio do julgamento do mensalão entrou para a história política brasileira como um verdadeiro exemplo disso. Contudo, no debate público, paira certa divergência quanto à escolha do padrão ético que deve pautar aquelas dimensões sociais.

Nesse debate, há discussões intermináveis com discordâncias inconciliáveis. As causas desse dissenso normalmente decorrem da diversidade conceitual das premissas que embasam a argumentação, ou seja, uma divergência teórica provocada pelas diferentes e contraditórias visões de mundo que impedem qualquer nível de consenso.

Também muitas posturas teóricas são apresentadas com uma camada de verniz impessoal e racional que, no fundo, acaba por recobrir uma argumentação notadamente caracterizada por um conjunto de desejos ou de interesses e não de obrigações propriamente ditas.

Por fim, algumas ideias nada mais são que uma mistura desarmônica de fragmentos teóricos mal organizados com citações de autores fora de seus contextos filosóficos e sem a mínima preocupação com a demonstração de um denominador comum entre eles.

Ética e Moral são, etimologicamente, sinônimos e significam costume. Ethos vem da língua grega e consiste num conjunto de hábitos que formam o homem em si mesmo e em sua relação com o outro. Mores, por sua vez, é a expressão latina para ethos e teve largo emprego pelos romanos, principalmente no campo do direito.

Nesse campo, também há divergência. Muitos fazem uma distinção entre ambos os termos: a ética seria um padrão de comportamento de um dado grupo, como, por exemplo, a ética dos profissionais da saúde e, por isso, teria um viés relativo, enquanto, por outro lado, a moral diria respeito ao ideal de comportamento segundo as exigências de natureza racional comum a todos os homens. E, logo, seria um imperativo absoluto.

Dessa forma, entende-se porque se atribui até mesmo a um grupo notadamente criminoso, como a Cosa Nostra, um código de ética: pode-se matar apenas quem se envolve diretamente nos negócios da máfia, como retrata muito bem a famosa trilogia cinematográfica da família Corleone. Mas, a mamma, bem, nesse caso, matar está fora de cogitação, apesar do homicídio, naqueles casos, ser de uma imoralidade patente.

Por isso, acreditamos que nem todo padrão de comportamento pode ser reputado como ético, sob pena de se enveredar no mais puro relativismo. E, em razão disso, ao longo da história do pensamento ocidental, podemos descrever, cronologicamente, cinco diferentes enfoques explicativos do fenômeno ético.

A primeira ética concebida foi a ética das virtudes, conhecida também como a ética clássica, focada no conjunto de hábitos que podem conduzir o homem à felicidade natural. Depois, veio a ética cristã ou ética das bem-aventuranças, constituindo-se numa elevação da ética clássica, pelas exigências maiores que traz, em face do bem mais elevado para o qual aponta, a felicidade eterna.

Mais tarde, surgiu a ética legalista, cujos efeitos perduram até hoje, com foco nas obrigações e proibições. A razão do agir não seria a felicidade, mas o estrito cumprimento do dever que traria, como consequência, a felicidade. No mesmo período histórico, adveio a ética utilitarista, a qual respalda uma visão pragmática em que os fins pessoais justificam os meios, tendo como fator de ponderação a renúncia a prazeres inferiores e imediatos em vista de prazeres futuros e superiores.

E, mais recentemente, foi a vez da ética libertária, a qual maximiza a liberdade do homem no agir social, pautada pela prevalência de interesses e preferências pessoais frente ao Estado, que deve ser, por isso, mínimo: fazer cumprir os contratos, proteger da propriedade e manter a paz social.

Independentemente do enfoque explicativo, a reflexão ética não é uma busca individual e sim coletiva. Requer um amigo, um professor ou um parente. Não pode ser sempre uma conversa com nossa consciência, ainda que o primeiro passo deva passar por ela. Mas só poderemos sair dessa confusão ética quando, superada a fase de introspecção, submetermos nossas próprias ideias ao exame crítico alheio, para que possam compreender melhor nossos pensamentos e suas razões. Com respeito à divergência, é o que penso.

homem confuso

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ANDRE GONÇALVES FERNANDES, Post-Ph.D. Juiz de Direito e Professor-Pesquisador. Graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP). Mestre, Doutor e Pós-Doutorando em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP. Juiz de direito, titular de entrância final em matéria cível e familiar, com ingresso na carreira aos 23 anos de idade. Pesquisador do grupo PAIDEIA-UNICAMP (linha: ética, política e educação). Professor-coordenador de metodologia jurídica do CEU Escola de Direito. Coordenador Acadêmico do Instituto de Formação e Educação (IFE). Juiz instrutor/formador da Escola Paulista da Magistratura (EPM). Colunista do Correio Popular de Campinas. Consultor da Comissão Especial de Ensino Jurídico da OAB. Coordenador Estadual (São Paulo - Interior) da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Membro do Comitê Científico do CCFT Working Group, da União dos Juristas Católicos de São Paulo (UJUCASP), da Comissão de Bioética da Arquidiocese de Campinas e da Academia Iberoamericana de Derecho de la Familia y de las Personas. Detentor de prêmios em concursos de monografias jurídicas e de crônicas literárias. Conferencista e autor de livros publicados no Brasil e no Exterior e de artigos científicos em revistas especializadas. Membro Honorário da Academia de Letras da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Titular da cadeira nº30 da Academia Campinense de Letras.

E-mail: agfernandes@tjsp.jus.br

Publicado no Portal da Família em 06/07/2013

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