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Cultura e contratualização social

Cultura e contratualização social

A cultura, até o advento da modernidade, compreendia quatro grandes dimensões: intelectual, moral, material e prática. Uma boa definição diz que a cultura é um sistema de conceitos herdados (intelectual), um conjunto de padrões de comportamento (moral), um sistema de significados caracterizados por símbolos (material) e uma série de convenções que cuidam das relações humanas (práxis), por meio dos quais o ser humano desenvolve, comunica e perpetua seu conhecimento e seu comportamento em relação à vida.

De uns tempos para cá, a cultura ocidental ajudou e favoreceu a promoção novas culturas, mas algumas delas separadas do sistema ético clássico, o qual tinha a tarefa de dar uma certa coerência entre a cultura e as outras dimensões da vida humana. Algumas posturas, como o individualismo, o racionalismo econômico, o darwinismo social, o emotivismo e o secularismo, são sinais evidentes daquele divórcio ético.

A par disso, no âmbito institucional, a sociedade tornou-se cada vez mais “contratualizada”, ou seja, os indivíduos reúnem-se para pensar e debater a partir de novas estruturas de sociabilidade, fruto de um acordo de vontades.

Numa sociedade assim, a verdade social é absoluta, porque produzida a partir da razão de um grupo majoritário num dado momento e pode ser alterada a depender do momento em que foi elaborada. Essa postura consensual é muito importante e útil para a resolução da maioria das questões sociais.

Mas, quando a mesma postura resolve atuar em outros campos, como o dos absolutos morais, o samba deixa de ser de uma nota só. Diariamente, assistimos a vários exemplos. O relativismo moral, que mina a possibilidade de busca da verdade objetiva e a correta relação entre esta e a consciência.

Se tudo é relativo, então o próprio relativismo moral é relativo e, logo, não pode ser tido como um valor absoluto. Esse relativismo moral tem provocado, por exemplo, no campo bioético, um enfraquecimento, cada vez maior, da proteção legal para toda vida humana, desde a fecundação até seu fim natural.

Outro efeito da “contratualização social” é a manipulação da linguagem. O significado das palavras varia muito e passa a depender das determinações da vontade daqueles que definem seu conteúdo. Temos um bom exemplo no âmbito dos “direitos das mulheres”, cujo nome já foi vítima daquela manipulação: há algum tempo, passou a incluir o aborto, sob a suave designação de “interrupção terapêutica da gravidez”.

Na ausência de um mínimo ético, de um objetivo comum de felicidade e de uma filologia comum, como virtude, bondade, verdade e beleza, o Direito passa a fornecer os paradigmas e as definições e, ao fim, torna-se o primeiro sistema válido para resolver disputas pessoais ou sociais, quando deveria ser o último a ser manejado. Mais trabalho em minha mesa.

Vejamos alguns exemplos. A linguagem clássica e perene do matrimônio deu lugar a uma linguagem substitutiva: “cônjuge” virou “companheiro”, que sempre foi sinônimo de colega, ou “parceiro”, termos tomados de empréstimo junto à tradição contratual do direito romano-germânico. Em ambos os casos, as expressões estão bem longe de expressar um amor de aliança, fiel e exclusivo.

O termo “família” já vem sendo usado como termo genérico para descrever uma vasta gama de relações. Atualmente, refere-se a vinte e uma diferentes definições de relacionamentos, dos quais o matrimônio é somente mais um. Nesse ritmo, daqui a alguns anos, provavelmente, o verbete terá um dicionário exclusivo.

Toda história do homem está impregnada de reflexão sobre a cultura e suas formas de manipulação. Platão já se desentedia com os sofistas, pois eles deturpavam o uso da linguagem em prol da cultura da conveniência dos interesses.

Como Platão, hoje, compete a cada um de nós descobrir o charlatanismo linguístico que ocupa boa parte dos discursos sociais e, à semelhança do mestre grego, submetê-lo ao diálogo, em favor do resgate de uma verdadeira cultura. Com respeito à divergência, é o que penso.