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A evolução da sensibilidade
Pe. Pedro Willemsens

Uma comparação. Semana passada o mundo acompanhou o processo de julgamento de Josef Fritz, que manteve a própria filha prisioneira em casa, com quem teve 7 filhos. O resultado do julgamento foi a condenação de Fritz à prisão perpétua por uma extensa lista de crimes que vinha encabeçada por um homicídio: deixar morrer um dos filhos que teve com sua filha por não lhe dar os cuidados que exigia a sua falta de saúde logo após o nascimento. Caso 1.

Caso 2. Na semana anterior mexeu com o Brasil o caso de uma menina de 9 anos de Alagoinha. Engravidada de gêmeos pelo padrasto, terminou abortando-os. A notoriedade do caso deveu-se, sobretudo, a umas declarações do arcebispo de Olinda e Recife, que falavam da excomunhão dos que colaboraram no aborto (ainda que o bispo na realidade não excomungou ninguém).

Dois casos de gravidez devido a uma horrível violência sexual doméstica. No primeiro caso deixou-se morrer um bebê que nasceu sem saúde, e isso (entre outras perversidades) valeu uma condenação à prisão perpétua. No segundo procurou-se a morte de dois gêmeos ainda no ventre da mãe, e isso foi aplaudido pela grande maioria da imprensa como um ato de humanidade. E podemos perguntar-nos: o que faz da morte do bebê austríaco um crime e da morte dos gêmeos alagoenses um ato de virtude?

Uma possível resposta é que o bebê era isso: um bebê, tinha nascido. Já os (as?) alagoenses não tinham ainda nascido, eram apenas fetos.

"Apenas fetos..." Faz pensar. Talvez escutássemos algo assim há dois séculos atrás se tentássemos impedir um feitor de realizar uma crueldade com um escravo: "mas, é apenas um escravo!"

Possivelmente grande parte dos brasileiros no período colonial perceberia a escravidão como algo ruim, mas que tinha que ser tolerado para o progresso do pais: "sem escravos não há Brasil".

O quê há de tão terrível em uma afirmação como essa? A incapacidade de perceber a total desproporção entre o efeito que se busca e os meios que se empregam. Busca-se um fim bom, mas utiliza-se um meio horrível para isso: a escravidão. Em uma palavra o problema é de falta de *sensibilidade.* Falta de sensibilidade diante do valor da vida e da liberdade daqueles que eram escravizados: os negros e os índios.

A polêmica ao redor do caso de Alagoinha também nasce de um problema de sensibilidade. A indignação suscitada contra o bispo vem da idéia de que ele não se teria sensibilizado com a situação da pobre menina, que tanto já sofrera. No entanto o problema real não é que o prelado não se tenha preocupado o suficiente com a menina, mas que ele tenha se preocupado *muito* com os filhos que ela trazia em seu ventre.

Vendo as notícias ao respeito chama a atenção o desinteresse pelos gêmeos abortados. Se eram meninos ou meninas, quantos meses teriam... isso não importava. Representavam apenas um problema a ser resolvido o quanto antes, com uma rápida cirurgia. Li um artigo que utilizava como principal argumento em defesa do aborto o fato de que os filhos lembrariam à menina a vida inteira as violência sofridas na infância. Diante de tal maneira de pensar parece-me realmente difícil contra-argumentar. Vem-me aquela mesma sensação de desproporção, a constatação do pouco que aquelas vidas humanas incipientes significam para a nossa sociedade hoje.

No fundo essa é a chave da questão: a sensibilidade com relação aos nascituros, a percepção do valor de suas vidas. E não se trata de um problema de fundamentação científica ou antropológica. As explicações de que o feto não é ainda um ser humano são todas tão frágeis que é difícil pensar que o problema seja realmente esse. Assim como o problema da escravidão não eram as teorias de que os negros tinham um crânio menor, de que os índios não tinham alma... Difícil pensar que as pessoas acreditariam honestamente nesses argumentos. Tratava-se apenas de explicações *a posteriori* para justificar a prévia falta de sensibilidade.

Do mesmo modo a teoria de que os embriões humanos só têm direitos depois de ter desenvolvido o sistema nervoso só pode ser uma justificativa para explicar escolhas em que se quer ajudar uma mulher com uma "gravidez problema". Os jornais por vezes colocam essa como *a* tese dos cientistas... e pode até ser que se encontre algum cientista que acredite mesmo nisso, mas não por motivos científicos.

Afinal de contas ninguém quis saber se os gêmeos de Alagoinha já tinham o sistema nervoso desenvolvido ou não. Soaria até esquisito se alguém começasse a questionar isso, pois não está aí o xis da questão. Está sim, é na sensibilidade diante do valor da vida do nascituro.

A abolição da escravatura veio, além de outros fatores, através de uma grande luta cultural. Homens e mulheres como Castro Alves, Luis Gama e tantos outros lutaram durante décadas para abrir os olhos da sociedade. E nessa luta não foi desprezível o papel da Igreja. Só nos 100 primeiros anos da colonização do Brasil foram mais de 800 documentos condenando a escravidão (em média um a cada seis semanas). Sintomática foi expulsão dos jesuítas de São Paulo já em 1640 por dar publicidade à bula papal que excomungava quem mantivesse um índio como escravo. O povo amotinou-se contra os padres chegando quase a matá-los. A partir de então se revisava os recém chegados no porto de Santos para garantir que não traziam copias do documento pontifício.

Foram séculos de uma árdua batalha. Mas uma batalha maravilhosa, que chegou a bom termo.

*"I have a dream"*, dizia Martin Luther King. E eu digo o mesmo. Tenho esperança de que dentro de algumas décadas as coisas mudarão. E as pessoas olharão para os nossos tempos escandalizadas com a falta de sensibilidade com relação aos nascituros. Talvez então se acuse a Igreja de ter sido omissa diante do "genocídio dos nascituros", dir-se-á que muitos padres apoiavam o aborto etc. Mas tudo bem, que os cristãos estamos ai é para isso mesmo.

*"We shall overcome"*, cantavam os negros no movimento de luta pelos seus direitos nos EUA. Estes outros oprimidos, os nascituros, ainda não podem cantar. Por isso quero eu emprestar-lhes a minha voz e a minha paixão para entoar por eles esse hino de esperança. E você?

 

baby

 

Pe. Pedro Willemsens, Teólogo e doutor em teologia pela Universidade de Navarra

 

Publicado no Portal da Família em 07/05/2009

 

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