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Floriano Serra

Coluna "Comportamento & Qualidade de vida no trabalho"

O POTINHO DA EULÁLIA

Floriano Serra

Dias atrás, eu estava tomando o café da manhã num grande hotel do interior de São Paulo, participando de uma Convenção Nacional da empresa onde trabalho. Estava em companhia da minha mulher e de um grande amigo, o Fraga. Um pouco antes de nos retirarmos da mesa, meu amigo pegou um daqueles potinhos com geléia e embrulhou-o num guardanapo de papel, dizendo:

- Este aqui eu vou levar pra Eulália – e guardou cuidadosamente o potinho em sua mochila, para presentear sua mulher, que ficara em São Paulo.

Aquele gesto me comoveu pela sua simplicidade e, ao mesmo tempo, pela sua grandiosidade. Entendi que era a maneira dele tornar presente a ausência da mulher amada. Ao lembrar de guardar aquele potinho para levá-lo para Eulália, o Fraga estava criando uma ponte invisível, mas poderosa, unindo pelo Amor duas pessoas separadas entre si por quase 200 quilômetros.

Comoveu-me também por ver naquele gesto um reflexo do que eu próprio faço, há décadas, sempre que viajo sozinho: tenho uma enorme satisfação de levar para minha mulher potinhos, latinhas, vidros de xampu, sabonetes – aquelas coisas bobas e descartáveis que ficam à disposição da gente nos hotéis. Não sei exatamente porque eu o faço. Talvez seja uma maneira carinhosa de dizer à minha mulher: “viu? Lembrei de você!” Ou talvez seja para compartilhar a solidão do hotel com ela, através de “presentes” simplórios e baratos, mas ricos de emoções e saudades.

Enfim, qualquer que seja o motivo desse procedimento, tem a ver com a maneira de amar “daqueles tempos”, que buscava qualquer pretexto para dizer “te amo”, usando pequenas coisas do cotidiano para expressar grandes coisas do coração. Algum leitor já escreveu uma carta de amor – certamente ridícula, como diria Fernando Pessoa – em um guardanapo de restaurante, só para aproveitar um portador inesperado? Eu já. E ela amou.

No dia seguinte, já em casa, repousando da Convenção que durou uma semana, li numa revista semanal que um casal, formado por um famoso ator global do Rio e uma socialite do Distrito Federal, havia rompido o caso de amor. Certamente não me surpreendeu o final do namoro – nem todos os amores são infinitos – mas o motivo do rompimento: o culpado foi o apagão aéreo! Segundo a revista, transcrevendo declarações dos dois envolvidos, eles decidiram acabar a relação porque perdiam muito tempo nos saguões dos aeroportos, sempre que queriam se encontrar!...

Creiam-me, não estou fazendo nenhuma crítica aos ex-enamorados. Cada um sabe onde lhe aperta o sapato. Minha reação de perplexidade foi unicamente com relação ao motivo do rompimento.

Deixei de lado a revista e fiquei horas mergulhado num redemoinho de reflexões e elucubrações, entre confuso e chocado, me perguntando se definitivamente eu sou um ET ou um careta.

Eu estava diante de uma dicotomia braba, uma contradição atordoante e, sobretudo, não queria aceitar que os dois episódios, tão contrastantes,  tivessem o mesmo Amor como referência ou pano de fundo.

Pensei nas canções amorosas que se tornaram eternas, nos inesquecíveis filmes românticos, nos tocantes romances e poemas dirigidos ao coração, nas histórias reais de amor de amigos que testemunhei – histórias de amores difíceis, sacrificados, proibidos, complicados... A que esses amores, cantados em prosa e verso, foram reduzidos em tempos de apagão aéreo? A uma fria praticidade comandada pelo comodismo? A uma questão cronológica de administração do tempo? A uma pragmática relação de custo beneficio? A uma insensível dependência do  conforto?

Ah, ia esquecendo: o texto da revista relata ainda que a relação foi encerrada por ela através de um telefonema – o que ele nega, diz que a decisão foi consensual, mas consta que ele próprio teria terminado um caso anterior através de um e-mail.

Sinal dos tempos?

Talvez muitos leitores achem que este artigo nada tem a ver com o mundo corporativo e que deveria estar publicado em revistas e sites “femininos” – certamente uma visão equivocada e preconceituosa. Pois, desculpem-me,  eu acho que tem tudo a ver.

Estou certo de que os profissionais de sucesso, aqueles reconhecidos como Vencedores, recolhem “potinhos” como o da Eulália, cultivam a sensibilidade e o afeto pelas pessoas. Podem não levar potinhos de geléia para sua equipe, mas levam livros, vídeos, fotos, souvenires – qualquer coisa que, quando viajam, os façam lembrar daqueles que contribuem para seus resultados. Afinal, para aqueles que verdadeiramente sabem o valor do reconhecimento e da gratidão, o “potinho” pode ter  inimagináveis formas.

Enfim, a conclusão a que cheguei horas depois das minhas reflexões, pode ser entendida por alguns leitores como uma pérola de caretice, mas que para mim, talvez graduado nessa mesma caretice, é de uma convicção absoluta: os grandes e verdadeiros amores são feitos com potinhos, como os da Eulália!

Portanto, em nome do Amor careta, que se fabriquem montanhas de potinhos e se distribuam a todos os hotéis; que se encham as mesas de restaurantes com bloquinhos para recados com lápis ao lado – de preferência coloridos, pois assim as cartas de amor ficam mais ridículas e por isso mesmo mais maravilhosas.

De qualquer maneira, para mim, essa conclusão me basta e me faz recuperar a serenidade.
Ou seja, estou com o Barão Vermelho e não abro:

               Por você eu dançaria tango no teto

               Eu limparia os trilhos do metrô

               Eu iria a pé do Rio a Salvador


casal e flores

 

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Floriano Serra é psicólogo, escritor e palestrante, autor de vários livros e artigos sobre o comportamento humano nas empresas. Foi diretor de Recursos Humanos em empresas nacionais e multinacionais, recebendo vários prêmios pela excelência em Gestão de Pessoas. É autor de uma dezena de livros, como "A Empresa Sorriso" e "A Terceira Inteligência", e mais de 200 artigos sobre o comportamento humano - pessoal e profissional, publicados em websites, jornais e revistas, inclusive no Exterior.
E-mail: florianoserra@terra.com.br

Publicado no Portal da Família em 30/10/2007

 

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