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Eduardo Gama

Coluna "Poemas e Canções"

A autocompaixão

Eduardo Gama

Atualmente, são muito comuns expressões como “você tem que dar um tempo para si mesmo”, “tem que cuidar de você” e outras como essas. O que essas frases revelam, em sua maioria, é um profundo sentimento de autocompaixão difundido na nossa sociedade.

Nesse ensaio, essa tendência, tão humana, de hiper-valorizar o eu será analisada com base nas idéias do psiquiatra Gerard van den Aardweg.

A compaixão é um dos sentimentos mais nobres em um ser humano. Ser capaz de padecer junto, de sofrer, de ter os mesmos sentimentos da pessoa que teve um revés é profundamente humano.

Segundo Aristóteles, é “certo pesar por um mal que se mostra destrutivo ou penoso e atinge quem não o merece”. O filósofo acrescenta que a compaixão só pode existir quando pensamos haver pessoas honestas, “pois quem crê não existir ninguém assim achará que todos merecem o seu infortúnio.”

O estudo mais profundo sobre a autocompaixão foi realizado por Gerard van den Aardweg. O psicoterapeuta aprofundou o conceito de complexo, tão comum na psiquiatria e desvendou a teoria da autocompaixão, que pode causar neuroses. Segundo Aadweg, “para compreender melhor a peculiaridade deste fenômeno convém reparar numa reação emotiva que se desenvolve com o complexo de inferioridade e que é uma parte essencial dele; a reação emocional primária perante o Eu ofendido, numa criança ou num adolescente: a compaixão por si mesmo.” O psicoterapeuta afirma que autocompaixão é uma atitude típica de falta de maturidade, pois a pessoa centra todas emoções sobre si. O que era compaixão, ou seja, sofrer com a outra pessoa, torna-se sofrer por si mesmo. O grande problema dessa reação é que exige da pessoa todas as suas energias e toda a sua atenção se volta sobre si, única digna de pena e de amor. É o que comumente chamamos de egoísmo.

Pode parecer supérfluo falar em autocompaixão, já que à primeira vista pode ser uma atitude própria de “gente má” ou, no máximo, de outras pessoas (fica implícito o “que não são como eu”). Porém, é muito comum. Basta notar um pouco o comportamento atual para verificar: os presentes dados a si mesmo, apelo comercial tão comum, não é senão uma forma de autocompadecer-se. Em uma propaganda recente de um banco, uma mulher falava diretamente para a câmera, dizendo que trabalhava muito, que não tinha tempo para nada. Por isso, ela merecia um banco como aquele, que aliviasse a sua vida tão sofrida.

O que pode ser um sentimento humano inofensivo, como no caso da mulher e o banco, pode tornar-se um caso compulsivo. No neurótico, afirma o psicoterapeuta, há três traços característicos: complexo de inferioridade, criança no adulto e hábito de compaixão. Por criança no adulto, entende-se a pessoa que continua a ser, do ponto de vista psicológico, uma criança. E a manifestação mais clara deste comportamento em um adulto é a expressão coitadinho de mim : “Para usar uma comparação: a ‘criança compadecida que está no adulto' mima-se e cuida de si mesma como uma criancinha ternurenta acariciaria uma boneca de quem tivesse muita pena. Todo o sentimento de amor pelas outras pessoas, baseado num interesse genuíno por elas, é bloqueado por uma atitude neurótica compulsiva centrada sobre si própria e que se desenvolve mais ou menos espontaneamente.”

A frieza que muitas vezes se observa em nossos dias está baseada nesta infância emocional. Como ouvi certa vez uma professora de psicologia dizer aos alunos: “Este negócio de amor ao próximo é uma balela. Não existe. O que existe é o gostar de si mesmo, de cuidar de si. Todo mundo age assim.” Mas, na verdade, O certo é que nem todos agem assim, visto que o mundo continua a girar. Se todos agissem seguindo os seus gostos, teríamos uma guerra contínua de interesses se digladiando para atingir os seus objetivos. Felizmente, há pessoas, e não poucas, que são capazes de se compadecer de outra pessoa. Até mesmo a professora em questão...

Como uma pessoa consegue se libertar da tirania do “coitadinho de mim”? Deixemos a resposta com o psicoterapeuta: “Se uma pessoa quer mudar profundamente, isto é, superar o seu infantilismo, tem de empreender um esforço contínuo da vontade. Às vezes, isto significa simplesmente o negar-se a tendências reconhecidas como criancices; outras vezes, implica fazer certas coisas que exigem uma boa dose de esforço e uma certa coragem. Como psicoterapeuta especializado em descobrir expressões de autocompaixão, treino muitas vezes os meus pacientes nalgumas técnicas de humor que neutralizam as variadas manifestações da emoção neurótica subjacente. Sorrir e rir-se das criancices do “coitadinho de mim!” pode ser um antídoto muito eficaz para controlar a virulência das lamúrias infantis. Em qualquer caso, o êxito deste s tipos de técnicas, como o ‘hiper-dramatizar' a autocompaixão da criança interior, depende da vontade do paciente em as usar efetivamente no dia-a-dia.”

Aardweg sugere que exageremos uma situação que nos faz ter pena de nós mesmos ao ponto de dramatizá-la como se fosse um teatro do absurdo. Se temos de esperar na fila de um banco: “Que desgraça! Nunca mais vou poder ser o mesmo após essa tragédia. O tempo passa e eu aqui, envelhecendo, minhas pernas cada vez mais exaustas rumando para a morte”.

Por fim, é necessário pensar que a autocompaixão não acontece só com os outros, mas que cada um de nós tem um pouco de “peninha de si mesmo”.



 

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Eduardo Gama, professor de redação e literatura em Jundiaí e Campinas. Mestres em Literatura pela USP, tradutor, jornalista e publicitário. É autor do livro de poemas "Sonata para verso e voz" e editor dos sites www.doutrinacatolica.com.br e www.revisaoetraducao.com.br

e-mail: redator@portaldafamilia.org

 

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