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Adélia Prado: entre o prosaico e o sublime
Chimena M.S. de Barros

Adélia Prado (1935) é sem dúvidas uma das maiores escritoras vivas de nossa literatura. Nascida em Divinópolis, MG, a autora é conhecida sobretudo por sua poesia, mas a leitura de sua narrativa Quero minha mãe , recém lançada pela Editora Record, deixa claro que a narradora em nada é menor do que a poeta e o leitor descobre uma obra que emociona e deixa a sensação lastimosa de “como acabou rápido!”.

O livro apresenta uma espécie de diário (embora não haja datas) em que a personagem principal, Olímpia, deixa suas reflexões e memórias ao se descobrir portadora de uma doença grave, o câncer, com pouco mais de 60 anos. O medo da morte justifica o título da obra: é a mulher vendo-se indefesa, amedrontada e sozinha como uma criança que, nessas horas, sempre procura a mãe. No caso de Olímpia, a mãe já morta, desde sua primeira infância, mas que como recordação já lhe serve de amparo.

Ora, a mãe é aquela que a educou, mas a quem ela nem sempre seguiu: é refletindo sobre os valores por ela deixados que Olímpia traça seu modo de viver até a terrível doença. Ademais, a figura da mãe é a origem dupla, carnal e espiritual: é quem a deu à luz; é também Nossa Senhora, que pôs o filho no mundo para nos salvar – e salvar Olímpia também. Vindo de uma autora como Adélia Prado, portadora de tamanha religiosidade, a hipótese do desdobramento da mãe mundana para a mãe espiritual não é mera especulação.

Além da “presença” da mãe (ou “das mães”), há também outras lembranças: o contato com a família – as irmãs, o marido, etc – , com a empregada da casa – Ivonete, apresentada como um membro da família –, com os amigos e conhecidos, tanto no presente como no passado, trazendo sempre à personagem principal pensamentos sobre vida, morte e Deus.

Adélia divide o livro em fragmentos (por isso a semelhança com um diário), espécie de capítulos muito curtos, que apresentam entre algumas linhas e três páginas. Embora não se trate de uma história linear, é perceptível a evolução da doença ao longo dos fatos narrados; desde a sua descoberta “Vai fazer cinco anos já da pequena mancha de sangue. Tive um susto esquisito, quase silencioso” (p.29) ao desfecho, passando pelas fases do diagnóstico, da busca desesperada por ajuda (um desespero muito sutil), do apoio familiar.

Mas apesar de apresentar um tema pesado, a autora dá à história a leveza que caracteriza toda a sua obra, introduzindo no livro cenas dóceis como a do movimento das pessoas pela casa na tentativa de devolver um passarinho perdido à mãe: “Abel arrastou a geladeira e pôs o filhote na grama, a mãe veio doida e os dois sumiram” ou a alegre recordação de um eclipse, que reuniu a família em especulações sobre o fim do mundo e deixou a criançada - Olímpia entre elas – eufórica: “De repente o mundo acabava mesmo, que delícia!” (p.52).

Eis, enfim, o grande atrativo de Quero minha mãe e de toda a poesia de Adélia Prado: a união do cotidiano com o transcendente; do banal como místico; as questões simples sobre a casa, a cozinha, a cidade, misturadas aos pensamentos sobre o amor, a morte e a religiosidade. Trechos do poema Mural , publicado em 1999, mostra bem isso: Recolhe do ninho os ovos/ a mulher/ nem jovem nem velha,/ em estado de perfeito uso [...] Ela não sabe que sabe,/ a rotina perfeita é Deus:/ as galinhas porão seus ovos,/ ela porá sua saia,/ a árvore a seu tempo/ dará suas flores rosadas [...] . (Este é apenas um exemplo, mas toda a obra da autora assim se estrutura).

Como o fim da vida traz inevitavelmente um balanço sobre o passado e o presente, Olímpia não foge à essa regra e tudo é narrado através da linguagem poética e ao mesmo tempo prosaica de Adélia, que, seja na poesia, seja na narrativa, alcança com êxito a união do aparentemente contraditório.



 


 

Chimena M.S. De Barros é mestra e doutoranda em literatura pela UNESP.

 

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