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Ines Rodrigues

Coluna "Do lado de cá"

O Pingüim

Inês Rodrigues
ines_rodrigues@hotmail.com


Algumas histórias que correm na boca do povo são tão boas que é melhor não checar se são verdadeiras ou não. Por que desfazer o encanto? É o caso do pingüim, o assunto do momento na Irlanda, onde passo as festas de fim de ano.

Conversa é uma das atividades mais apreciadas aqui. Nessa época, quando o frio e a névoa encobrem a paisagem, só nos resta o pub com lareira acesa ou a casa dos amigos para socializar. Num lugar onde o bom papo é uma forma de arte, como ignorar uma história tão peculiar? Vou repeti-la, então. Perdoem-me os leves toques de invenção, mas afinal, não há quem conte um conto sem acrescentar um ponto…

Poucas semanas antes das férias, a pequena Fiona e seu irmãozinho Nicholas foram juntos numa excursão ao zoológico de Dublin. Seria uma grande aventura e a primeira vez em que os dois entrariam na misteriosa casa dos animais. Na manhã do grande dia, a mãe preparou-lhes uma mochila com sanduíches, chocolates e iogurte, energia suficiente para uma jornada de muita emoção.

E lá foi a criançada e mais duas professoras: todos num ônibus barulhento cruzando as ruas da cidade. Quando uma nesga de sol rompeu as nuvens, fazendo a paisagem menos cinzenta, eles estacionaram em frente ao portão principal e a molecada toda correu para ver os bichos.

Eles acordavam de um sono hibernal e perscrutavam as crianças encantadas com a mesma curiosidade que havia nos olhinhos miúdos do lado de cá das jaulas. O urso, o elefante, a girafa, o temeroso leão, todos estavam lá, pareciam saídos dos livros especialmente para aquele dia.

Terminada a pausa do lanche, foram visitar as jaulas fechadas. Entre elas estava a colônia de pingüins. Eles viviam confortavelmente numa supergeladeira com lago artificial, protegidos por uma enorme parede transparente. Através dela todos podiam observá-los nadando, alimentando seus filhotes, caminhando com seus pezinhos cômicos.

Fiona sempre fora louca por pingüins e colecionava cartões postais com diferentes fotos dos bichos polares, saídos de um lugar mágico que ela pensava não existir de verdade. Até aquela tarde de inverno quando ela pôs os olhos naquele mundo encantado. Eles pulavam graciosamente na água e eram iguaizinhos aos que apareciam na TV.

Numa das paredes de vidro, ela viu o inimaginável: o muro que a separava dos pingüins era muito baixo e ela podia facilmente enfiar o braço dentro da geladeira. Fiona tentou acariciar um filhotinho esquecido do outro lado, esticando o bracinho o mais que pôde. Que emoção tocar-lhe a penugem! E ele era tão pequenininho! Será que sua mãe se importaria se ela levasse um para casa? Será que a mãe do pingüim ia sentir muita falta dele? Talvez não, havia tantos filhotinhos naquele zoológico… Pensou em levá-lo consigo. Ninguém iria perceber. Passou a mão no filhotinho do tamanho de um passarinho e, zupt, enfiou-o na mochila, vazia após a hora do lanche.

No ônibus Fiona vinha toda contente, protegendo a bolsa com carinho. Lá dentro, o pingüim era só silêncio.

Em casa, a mãe os esperava com o banho pronto. Ela e o irmão entraram na banheira e Fiona já sonhava com o momento de contar a todos: tinham um novo bichinho de estimação. Seria na hora do jantar, quando a mãe estava sempre de bom humor. E depois, não havia mais nada a fazer, o pingüim já estava ali na sua bolsa mesmo. Aliás, ele poderia ficar morando lá, ela poderia levá-lo todos os dias à escola…

Quando imaginava-se contando às amigas o feito no zoológico, a mãe soltou um grito de terror lá do quarto. Que bicho era aquele na bolsa, meu Deus? O pingüinzinho parecia meio adormecido e a mãe já pensava que não haveria salvação para ele. Sem explicações, passou a mão no telefone, pediu o número do zoológico e comunicou o misterioso achado, aturdida.

Não houve lágrima, súplica ou explicação que adiantasse. Nem o apoio de Nicholas, também a favor da adoção do pingüim. Ele foi devolvido às pressas ao zoológico e conseguiu sobreviver à aventura inesperada. Mesmo depois das razões científicas demais do diretor do zôo ("pingüins não resistem se estiverem fora do gelo e longe dos seus pares"), foi duro conformar-se com a realidade.

Durante as noites seguintes, Fiona ainda sonhava com o seu amiguinho. No dia de Natal implorou à mãe que a levasse ao zoológico outra vez, queria visitá-lo. Tiveram que esperar até o dia 30 de dezembro, quando o parque seria reaberto.

Dentro da câmara refrigerada, a menina não teve dificuldade em reconhecer seu pequeno amigo. Ao lado da mamãe-pingüim, ele tentava devorar seus primeiros nacos de peixe, ainda com um ar meio traumatizado. No final, ele parecia feliz e, afinal, era sempre bom ter a mãe por perto. Fiona olhou para o lado e pensou que não seria muito agradável se lhe roubassem da sua própria mãe, que agora segurava firme as suas mãozinhas ousadas.

Ao sair do tanque dos pingüins, deu uma última olhada para o filhotinho e disse:

- Adeus, pingüim, Feliz Ano Novo!




Inês Rodrigues é jornalista e tradutora. Já atuou nas seções de artes e música em diversas empresas de comunicação brasileiras, tais como Jornal da Tarde, Fundação Padre Anchieta, Editora Globo e Rádio Gazeta. Atualmente reside em Londres.


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