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DECLARAÇÃO DE BENS

a verdadeira crônica de Hélio Fraga *

 

O pai moderno, muitas vezes perplexo, aflito, angustiado, passa a vida inteira correndo atrás do futuro e se esquecendo do agora. Na luta para edi ficar este futuro, ele renuncia ao presente. Por is so, é um homem ocupado, sem tempo para os filhos, envolvido em mil atividades — tudo com o objetivo de garantir o seu amanhã.

É com que prazer e orgulho, a cada ano, ele preenche sua declaração de bens para o Imposto de Renda. Cada nova linha acrescida foi produto de muito esforço, muito trabalho. Lote, casa, apar­ tamento, sítio — tudo isso custou dias, semanas, meses de luta. Mas ele está sedimentando o futuro da sua família. Se ele parte um dia, por qualquer motivo, já cumpriu sua missão e não vai deixar ninguém desamparado.

E para ir escrevendo cada vez mais linhas na sua relação de bens, ele não se contenta com um emprego só — é preciso ter dois ou três; vender parte das férias, em vez de descansar junto à famíl ia; levar serviço para fazer em casa, em vez de ficar com os filhos; e é um tal de viajar, almoçar fora, discutir negócios, marcar reuniões, preencher a agenda — afinal, ele é um executivo dinâmico, faz parte do mundo competitivo, não pode fraquejar.

No entanto, esse homem se esquece de que a verdadeira declaração de bens, o valor mais alto, aquele que efetivamente conta, está em outra página do formulário do Imposto de Renda — mais precisamente, naquelas modestas linhas, quase es­condidas, onde se lê “relação dos dependentes”. Aqueles que dependem dele, os filhos que ele colo­cou no mundo, e a quem deve dedicar o melhor de seu tempo.

Os filhos são novos demais, não estão interes­sados em lotes, casas, salas para alugar, aumento da renda bruta — nada disso. Eles só querem um pai com quem possam conviver, dialogar, brincar. Os anos vão passando, os meninos vão crescendo, e o pai nem percebe, porque se entregou de tal forma ao trabalho - vulgo construção do futuro - que não viveu com eles, não participou de suas pequenas alegrias, não os levou ou buscou no co­légio, nunca foi a uma festa infantil, não teve tem­po para assistir à coroação da menina — pois um executivo não deve desviar sua atenção para essas bobagens. São coisas de desocupados.

 

Há filhos órfãos de pais vivos, porque estão “entregues” - o pai para um lado, a mãe para c outro, e a família desintegrada, sem amor, sem diálogo, sem convivência. E é esta convivência que solidifica a fraternidade entre os irmãos, abre seu coração, elimina problemas, resolve as coisas na base do entendimento.

Há irmãos crescendo como verdadeiros estra­nhos, porque correm de um lado para o outro o dia inteiro — ginástica, natação, judô, balé, aula de música, curso de Inglês, terapia, lição de piano, etc. — e só se encontram de passagem em casa, um chegando, o outro saindo. Não vivem juntos, não saem juntos, não conversam — e, para ver os pais, quase é preciso marcar hora.

* * *

Depois de uma dramática experiência pessoal e familiar vivida, a única mensagem que tenho para dar — e que tem sido repetida exaustivamente em paróquias, encontros familiares, movimentos e entidades — é esta: não há tempo melhor aplicado do que aquele destinado aos filhos.

Dos 18 anos de casado, passei 15 anos correndo e trabalhando, absorvido por muitas tarefas, envolvido em várias ocupações, totalmente entregue a um objetivo único e prioritário: construir o futuro para três filhos e minha mulher. Isso me custou longos afastamentos de casa, viagens, estágios, cursos, plantões no jornal, madrugadas no estúdio da televisão, uma vida sempre agitada, atarefada, tormentosa, e apaixonante na dedicação à profissão escolhida — que foi, na verdade, mais importante do que minha família.

E agora, aqui estou eu, de mãos cheias e de coração aberto, diante de todos vocês, que me conhecem muito bem. Aqui está o resultado de tanto esforço: construí o futuro, penosamente, e não sei o que fazer com ele, depois da perda do Luiz Otávio.

De que valem casa, carros, sala, lote, e tudo o mais que foi possível juntar nesses anos todos de esforço, se ele não está mais aqui para aproveitar isso com a gente?

Se o resultado de 30 anos de trabalho fosse consumido agora por um incêndio, e desses bens todos não restasse nada mais do que cinzas, isso não teria a menor importância, não ia provocar o menor abalo em nossa vida, porque a escala de valores mudou, e o dinheiro passou a ter um peso mínimo e relativo em tudo.

Se o dinheiro não foi capaz de comprar a cura e a saúde de um filho amado, para que serve ele? Para que ser escravo dele?

Eu trocaria — explodindo de felicidade — todas as linhas da declaração de bens por uma única linha que eu tive de retirar, do outro lado da folha: o nome do meu filho na relação dos dependentes. E como me doeu retirar essa linha, na declaração de 1983, ano-base de 82.

 

Fonte: Do livro "Família, último lugar?", de Hélio Fraga, jornalista. Edições Paulinas, 3ª Edição, 1987.

ALERTA

Versões criminosamente falsificadas desta crônica circulam pela Internet e em diversas publicações. Algumas das versões plagiadas acrescentam ao texto original que Luiz Otávio morreu drogado e que teve uma irmã Priscila, que fugiu de casa.

O filho de Hélio Fraga, Luiz Otávio, faleceu aos 12 anos, em novembro de 1982, vítima de tumor cerebral (meduloblastoma). Teve dois irmãos: Marcelo, nascido em 1972, e Ana Cristina, em 1977. Eles estudam, trabalham e moram em Belo Horizonte. A outra irmã jamais existiu.

A falsa "Declaração de Bens" tem sido publicada irresponsavelmente, estando jornais, revistas e entidades sujeitos a processo criminal e ações de indenização por difamação e danos morais.

Solicitamos a todos que se depararem com uma versão falsificada desta crônica, que avisem aos responsáveis por tal publicação sobre a falsificação.


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